quarta-feira, 10 de setembro de 2014

COMUNICAÇÃO UFAM

PRECONCEITO LINGUÍSTICO NA ESCOLA

Em pleno século XXI, o preconceito linguístico ainda existe na escola, e, principalmente nas relações de comunicações entre as diferentes classes sociais que compõem a sociedade brasileira. Assim, o presente trabalho tem como objetivo discutir a diversidade linguística como proposta de projeto na escola para erradicar o preconceito linguístico.
Nossa proposta é verificar e analisar a possibilidade do professor adotar, ainda que de forma restrita, a leitura e a elaboração de textos em português não padrão, como estratégia para levar o aluno das camadas mais carentes da sociedade brasileira a aprender a norma culta da língua portuguesa através da adequação do uso da norma culta ao contexto discursivo, para atender às exigências da vida social, escolar e profissional.
O processo de ensino deve ser feito de maneira contextualizada, envolvendo não somente o âmbito escolar, mas questões do cotidiano, não é preciso condenar à gramática e nem dizer que a linguagem do aluno é pobre. O importante é reconhecer as diferentes formas de tipologias da linguagem, sem querer condenar uma em prol da liberdade de outra. Assim sendo, dividimos o nosso estudo em três capítulos.
Assim sendo, esse projeto visa contribuir com a desconstrução do preconceito linguístico no ensino da língua portuguesa baseado no livro Preconceito Linguístico: o que é, como se faz? (2009) do professor Marcos Bagno, o qual discorre sobre os oito mitos que negam ao brasileiro comum o acesso à cidadania por conta da exclusão linguística imposta pela escola e, posteriormente, pela sociedade letrada. Para Bagno (2009), os mitos de que “A língua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade surpreendente”, “Brasileiro não sabe português/Só em Portugal se fala bem português”, “Português é muito difícil”, “As pessoas sem instrução falam tudo errado”, “O lugar onde melhor se fala português no Brasil é o Maranhão”, “O certo é falar assim porque se escreve assim”, “É preciso saber gramática para falar e escrever bem”, e “O domínio da norma culta é um instrumento de ascensão social”, traz inúmeros prejuízos sociais, econômicos, políticos e linguísticos para milhões de brasileiros que não puderam estudar (ou estudaram muito pouco).
Segundo Bagno:
A ideia de que somos um país privilegiado, pois do ponto de vista linguístico tudo nos une e nada nos separa, parece-me, contudo, ser apenas mais um dos grandes mitos arraigados em nossa cultura. Um mito, por sinal, de consequências danosas, pois, na medida em que não se reconhecem os problemas de comunicação entre falantes de diferentes da língua, nada se faz também para resolvê-los (BAGNO, 2009, p. 31).

Portanto, a ênfase no ensino do português padrão e o mito de uma “língua única” e de suas possibilidades de ascensão social esconde o preconceito linguístico, étnico, geográfico e social desvinculando-o da origem de classe, ou seja, a partir do nível de linguagem do falante ocorre a exclusão social e, ao mesmo tempo em que foi construído o português padrão, a língua de prestígio social falada pelas classes privilegiadas do Brasil.
Os estudiosos apontam como causas do preconceito linguístico no Brasil: o ensino tradicional da gramática, a pobreza, má distribuição da renda e falta de um sistema de educação mais abrangente que valorize a linguagem das crianças das famílias mais pobres. Em função disso, essas crianças e adolescentes são, hoje, socialmente marginalizados pelo linguajar que falam e têm o futuro comprometido pela exclusão linguística imposta pelos os letrados.
A insistência da educação brasileira em apresentar o ensino/aprendizagem da norma culta na escola tem desviado o estudo mais atento sobre a origem de classe do preconceito linguístico. Para Bagno (2009), os mitos de que “A língua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade surpreendente”, “Brasileiro não sabe português/ Só em Portugal se fala bem português”, “Português é muito difícil”, “As pessoas sem instrução falam tudo errado”, “O lugar onde melhor se fala português no Brasil é o Maranhão”, “O certo é falar assim porque se escreve assim”, “É preciso saber gramática para falar e escrever bem”, e “O domínio da norma culta é um instrumento de ascensão social”, traz inúmeros prejuízos sociais, econômicos, políticos e linguísticos para milhões de brasileiros que não puderam estudar (ou estudaram muito pouco). Somos um povo bilíngue, e o reconhecimento desse bilinguismo seria fundamental no trabalho dos educadores.
A ideia de que “a Língua Portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade surpreendente”, segundo Marcos Bagno:
Esse é o maior e o mais sério dos mitos que compõem a mitologia do preconceito linguístico no Brasil. Ele está tão arraigado em nossa cultura que até mesmo intelectuais de renome, pessoas de visão crítica e, geralmente, boas observadoras dos fenômenos sociais brasileiros, se deixam enganar por ele (BAGNO, 2009, p. 26-27).

 Esse mito é muito prejudicial à educação porque, ao não reconhecer a verdadeira diversidade do português falado no Brasil, a escola tenta impor sua norma linguística como se ela fosse, de fato, a língua comum a todos os 190 milhões de brasileiros, independentemente de sua idade, de sua origem geográfica, de sua situação socioeconômica, de seu grau de escolarização (BAGNO, 2009, p. 27).
Partindo dessa perspectiva, o ensino de Língua Portuguesa requer uma visão substancial do processo ensino/aprendizagem, a partir de práticas pedagógicas para que o aluno deixe de ser elemento passivo e passe a ser sujeito ativo, que tenha seus conhecimentos prévios e, portanto, crie e elabore a partir deles, bem como um tempo particular para aprender. Mudando a metodologia, muda-se o foco da relação ensino/aprendizagem: o objetivo final não é mais memorizar, mas dinamizar, impulsionar, favorecendo o crescimento intelectual do educando. Desloca-se a ênfase no conteúdo (memorização) para a ênfase no ato de pesquisar, de aprender.
Sem dúvida, a língua é o sistema de signos mais amplo e complexo que serve à comunicação. Ela é capaz de abrigar linguajares variados e, ainda assim, cumprir sua função primordial. E, por ser fundamentalmente instrumento de comunicação, caracteriza-se como fato social. Ela serve a processos de dominação, é matéria concreta para atos de cooperação, oposição, tensão, interação.
No Brasil, o ensino de língua portuguesa privilegia a leitura e a produção de textos em que predomina o artificialismo, a imposição da variedade-padrão e, de sentido único ao texto, excluindo a bagagem cultural trazida pelo aluno.
O processo de ensino/aprendizagem de Língua Portuguesa, no Ensino Médio, deve pressupor uma visão sobre o que é linguagem verbal. Ela se caracteriza como construção humana e histórica de um sistema linguístico e comunicativo em determinados contextos. Assim, na gênese da linguagem verbal estão presentes o homem, seus sistemas simbólicos e comunicativos, em um mundo sociocultural (PCN, 1999, p. 139).
Qual o papel da escola, então, no ensino da língua portuguesa? Evidentemente, aprimorar a capacidade de articulação do pensamento do aluno, discutir e mostrar as mais variadas tipologias textuais, oferecendo novas possibilidades de expressão. Não basta, para isso, apresentar conceitos prontos e uma série de exercícios de fixação, pois o trabalho tornar-se-á enfadonho e a atividade, desinteressante, matando em princípio a tarefa a que propõe.
Dois caminhos, pelo menos, apresentam-se diante dessa perspectiva: não ensinar a variedade-padrão, enfatizando exclusivamente a leitura e a produção de textos escritos em português não padrão; ou ensinar a norma culta de um modo reflexivo, expondo o aluno a variados tipos de textos mais ou menos informais (aos quais, aliás, ele está exposto cotidianamente) e levando-o a refletir sobre os fatos da língua. Acreditamos que o segundo caminho é o indicado, notadamente agora, quando parcela considerável de alunos brasileiros, das classes mais desfavorecidas, têm acesso à educação.
“A linguagem verbal é um dos meios que o homem possui para representar, organizar e transmitir de forma específica o pensamento”, afirmam os PCNs do Ensino Médio. Nesse sentido, o aluno deve ser levado a “compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização de mundo e da própria identidade”.
Dessa forma, a leitura, a análise e a construção de textos escritos em português não padrão devem ser inicialmente, a matéria-prima do professor no trabalho com a língua. Eles devem ser o ponto de partida e o ponto de chegada. Ponto de partida porque é neles que os alunos devem descobrir os modos de construção; e o ponto de chegada porque se espera que, a partir da leitura, de análises e de elaboração de textos escritos em português não padrão, os alunos se tornem capazes de ler e escrever seus próprios textos em português padrão.
Na leitura e na produção de textos escritos, em português padrão e não padrão combinamos palavras e frases segundo determinadas regras. Ora, esse conjunto de regras nada mais é do que a gramática natural da língua, que todo falante conhece e utiliza em seus atos de comunicação verbal. Portanto, não há texto sem gramática – a gramática sustenta o texto. Afinal, um texto não é um “amontoado” de palavras, mas uma estrutura em que essas palavras se organizam segundo as regras do português padrão, como do não padrão.
Assim, entendemos que o ensino da variedade-padrão não pode ser abandonado e, mais, que deve ser visto como um suporte da comunicação verbal. Assim sendo, sugerimos que o professor enfatize as semelhanças e as diferenças entre as duas variedades linguísticas que, conforme Bagno (1998, p. 36), o português padrão tem as seguintes marcas: “artificial, adquirido, aprendido, redundante, conservador, tradição escrita, prestigiado, oficial, tendências refreadas e falado pelas classes dominantes”. Em contrapartida, o português não padrão se apresenta como sendo: “natural, transmitido, apreendido, funcional, inovador, tradição oral, estigmatizado, marginal, tendências livres, e falado pelas classes dominadas”.
Segundo Bagno (1998, p. 37), o português não padrão é transmitido de geração para geração, é um patrimônio linguístico que é compartilhado no convívio com a família e com as pessoas da mesma classe social. (...) As regras são apreendidas naturalmente pelo falante, (...) é funcional porque trata de eliminar todas as regras desnecessárias e supérfluas, que se repetem e se sobrepõem. (...) é inovador porque se deixa levar pelas forças vivas de mudança que estão sempre ativas na língua. (...) se caracteriza por ter uma forte tradição oral (BAGNO, 1998, p. 37). Por outro lado, conforme Marcos Bagno (1998, p. 37), o português padrão tem que ser adquirido na escola, por meio principalmente da forma escrita da língua. (...) as regras têm de ser aprendidas, decoradas, memorizadas, exigindo um treinamento linguístico especial da parte do falante. (...) é redundante porque faz uso de muitas regras para dar conta de um único fenômeno. (...) tem o objetivo de se manter inalterado o máximo de tempo possível, é conservador e demora muito a aceitar algum tipo de novidade. (...) o domínio da língua escrita é privilégio dos que frequentam a escola (BAGNO, 1998, p. 37).
  O tratamento dado ao estudo da norma-padrão, portanto, deve ser essencialmente funcional. (...) no estudo da linguagem verbal, a abordagem da norma padrão deve considerar a sua representatividade como variante linguística de determinado grupo social, e o valor atribuído a ela, no contexto das legitimações sociais (PCN, 1999, p. 127).
Com relação à norma culta, é importante salientar que a escola precisa ensiná-la, mas não como sendo a única possibilidade de uso – ou a única “certa”. Faz-se necessário que diversos registros sejam objeto de estudo em sala de aula, colaborando para que o aluno saiba utilizá-los com adequação, oralmente e por escrito, nas mais diversas situações comunicativas; para que tenha a possibilidade de, conforme Bechara (1987), “tornar-se um “poliglota” dentro de sua própria língua”. Sendo assim, o aluno terá subsídios para que possa interagir, melhor e de modo mais efetivo, na sociedade em que vive (PRESTES, 2000, p. 58).
Transportando-nos para a prática em sala de aula, podemos ver, trabalhando com textos de tipologias variadas, os alunos vão percebendo como se manifestam as variedades linguísticas em diferentes tipos de textos e vão aprendendo a utilizá-las adequadamente em diferentes situações comunicativas. Com tal prática, “aprender” a língua portuguesa não fica só no aprender o “correto” – leia-se o padrão formal ditado pela gramática normativa – para não empregar o “errado”. Até aspectos, digamos, mais “gramaticais” serão vistos nessa perspectiva.
O primeiro passo a ser dado pelo educador, ao trabalhar em sala de aula, com leitura de textos escritos em português não padrão é fazer um levantamento dos “organizadores prévios” para direcionar a partir disto, o processo ensino-aprendizagem.
Ao socializar com a turma um texto literário escrito em português não padrão, neste momento, o educador estará trabalhando um dos elementos fundamentais do ensino de língua portuguesa, ou melhor, a valorização da linguagem do outro. Em outras palavras, o diálogo.
Concordamos com Marcos Bagno (1998), não vamos querer eliminar o português padrão das escolas e passar a ensinar o português não padrão. Mas o conhecimento dessas regras serve para que fiquemos mais atentos às diferenças que existem entre as duas variedades... Diferenças que quase sempre, infelizmente, são logo consideradas ‘erros’ por quem não consegue compreender a lógica que existe nelas (p. 55).
Para que os alunos entendam a lógica que existe entre essas duas variedades linguísticas, sugere-se a reescritura do texto em português padrão. Em seguida, o educador deve evidenciar para a classe as semelhanças e diferenças entre o texto original e o reescrito.
Entretanto, antes de qualquer análise mais específica sobre a escrita do texto apresentado à turma, o educador deve esclarecer o significado de algumas expressões próprias de uma linguagem mais popular, falada por uma considerável parcela da sociedade brasileira que não teve acesso à educação formal.
Em outro momento deve sugerir aos alunos um trabalho de pesquisa e coleta de palavras, expressões e textos que evidenciem as variações linguísticas. Outra possibilidade de se trabalhar com textos escritos em português não padrão é a montagem de uma dramatização que retrate a diversidade linguística existente em nosso país. No processo dramático, o indivíduo tem a possibilidade, na presença da fala, de se tornar sujeito e objeto do próprio comportamento.
Mas também sugerimos ao educador que proponha para os alunos a confecção de painéis com textos em prosa e/ou em verso que elucidem as diversidades linguísticas – Esta atividade além de trabalhar a inteligência linguística (leitura e produção de textos e/ou comentários), pessoais (relação consigo e com o outro) e a naturalista (observação e/ou reprodução do meio), estimulará o desenvolvimento do posicionamento crítico, já que deverá ser orientada de forma que os alunos analisem criticamente seu papel enquanto ser social.
Portanto, apresentação de jogos e/ou brincadeiras que evidenciam as variantes linguísticas - Segundo ANTUNES (2003) os jogos e brincadeiras podem ser usados como um recurso didático que, ao mesmo tempo, pode ensinar, aprimorar relações interpessoais e ainda causar intensa sensação de alegria, prazer e motivação.
A avaliação da atividade se dará de forma interdisciplinar e contínua, onde os alunos deverão ser avaliados em todos os aspectos da aprendizagem. A intenção não é a de simplesmente atribuir uma nota, mas sim, proporcionar aprendizagens significativas, onde os alunos compreendam que não existe o português “certo ou o errado” e sim, uma ainda desconhecida diversidade linguística, que deve ser conhecida e respeitada e acima de tudo, possam perceber-se como sujeitos de seu desenvolvimento e também responsáveis pelo mundo em que vivem.
Durante toda a atividade, os pais poderão demonstrar interesse e compromisso com a formação de seus filhos, envolvendo-se na pesquisa, organização e coleta de dados, fator imprescindível ao desenvolvimento dos cidadãos “em formação”.
Para a desconstrução do preconceito linguístico, no Brasil, segundo Marcos Bagno (2009), deve-se “respeitar a variedade linguística de toda e qualquer pessoa, por isso equivale a respeitar a integridade física e espiritual dessa pessoa como ser humano, porque a língua permeia tudo, ela nos constitui enquanto seres humanos. Nós somos a língua que falamos. A língua que falamos molda nosso modo de ver o mundo e nosso modo de ver o mundo molda a língua que falamos. Para os falantes de português, por exemplo, a diferença entre ser e estar é fundamental: eu estou infeliz é radicalmente diferente, para nós, de eu sou infeliz. Ora, línguas como o inglês, o francês e o alemão têm um único verbo para exprimir as duas coisas. Outras, como o russo, não têm verbo nenhum, dizendo algo assim como: Eu – infeliz (o russo, na escrita, usa mesmo um travessão onde nós inserimos um verbo de ligação). Assim, uma vez que a língua está em tudo e tudo está na língua, o professor de português é professor de TUDO” (2009, p. 166-168).
Assim, quando nós refletimos sobre o ensino tradicional da língua portuguesa e, principalmente, sobre a exclusão do português não padrão da educação brasileira, estamos, na verdade, discutindo questões essenciais para nossa vida coletiva e para nosso futuro. Estamos usando o poder transformador da educação para desconstruir os mitos elencados pelo professor e linguista Marcos Bagno, os quais negam ao homem brasileiro, aos analfabetos, aos semianalfabetos e aos analfabetos funcionais, pertencentes às camadas sociais mais desfavorecidas pela má distribuição de renda, o direito de falar sua língua. São questões como: que língua portuguesa devemos ensinar na escola? Quem são os sem-línguas? Falar a língua portuguesa tem o mesmo valor social para todos os que nasceram no Brasil? Por que a maioria dos brasileiros fala o português não padrão? Debater sobre o processo tradicional de ensino/aprendizagem, a exclusão do português não padrão e a desconstrução dos preconceitos linguísticos, que existe na escola pública é, pois, debater a própria identidade linguística do Brasil.
Pensemos a língua de acordo com a concepção de Marcos Bagno (2009):
Enquanto a língua é um rio caudaloso, longo e largo, que nunca se detém em seu curso, a gramática normativa é apenas um igapó, uma grande poça de água parada, um charco, um brejo, um terreno alagadiço, à margem da língua. Enquanto a água do rio/língua, por estar em movimento, se renova incessantemente, a água do igapó/gramática normativa envelhece e só se renovará quando vier a próxima cheia.
            Assim, poderemos trabalhar melhor a nossa disciplina e desconstruir o preconceito linguístico que ainda existe em nossas escolas, preconceito esse que limita e desrespeita a diversidade linguística existente em nosso país.


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